Há dez anos, o esporte mundial perdia uma dos maiores atletas da
história. Uma parada cardíaca levou Adhemar Ferreira da Silva, um
gigante que abrilhantou o atletismo internacional ao ganhar muitos
títulos, incluindo duas medalhas de ouro olímpicas no salto triplo
(Melbourne, 1952 e Helsinque, 1956) e diversos recordes
mundiais.
Se os brasileiros têm orgulho de Adhemar por ter sido um grande
ídolo, exemplo de homem e esportista, para os são-paulinos esse
sentimento é ainda maior, pois de 1946 a 1955 ele vestiu a camisa
tricolor.
Suas façanhas ainda hoje são lembradas no emblema do clube por
meio das duas estrelas douradas, que homenageiam os recordes
mundiais obtidos nos Jogos Olímpicos de 1952 e Panamericanos de
1955.
Atualmente, o clube tem outro campeão olímpico no
atletismo. Maurren Maggi defende o Tricolor desde 2010 e tem
Adhemar como grande tutor. “Tinha ele como ídolo”, afirma.
“Nos conhecemos em 1998. Convivemos muito pouco, mas foi
intenso. Ele foi meu incentivador do salto, incentivou minha
carreira e me elogiava muito. Ele sempre me parabenizava, tenho até
um livro autografado por ele em casa, que fica na sala.”
E a herança do atleta serve de inspiração para que a atual
são-paulina volte a conquistar outro título olímpico. “Eu espero
fazer metade do que ele fez pelo São Paulo, o que é muito difícil,
mas eu estou vestindo a camisa do clube e espero conseguir”,
completa.
Veja um pouco da trajetória deste ícone do
esporte!
Como tudo começou
Filho único, Adhemar Ferreira da Silva nasceu no bairro da Casa
Verde, em São Paulo, em 29 de setembro de 1927. O pai, Antônio
Ferreira da Silva, era ferroviário, e a mãe, Augusta Nóbrega da
Silva, empregada doméstica. Não chegou a conhecer os avós, mas
sempre ouviu dizer na família que o avô vinha de uma linhagem nobre
da África, onde inclusive teria sido rei.
Como nos anos 30 não havia uma prática de esportes específica
para as crianças, Adhemar brincava na rua. Jogar futebol era sua
diversão predileta. Começou sua alfabetização num colégio de
freiras. Estudou na Escola de Aprendizes de Ofício, atual Escola
Técnica, e formou-se em Belas-Artes. O futuro campeão olímpico
esteve perto de se tornar um escultor.
Sua vida acadêmica, contudo, não parou por aí. Adhemar seria um
verdadeiro linguista. Fluentemente falaria inglês e francês, mas
também russo, tcheco, alemão, italiano, japonês, espanhol e até
finlandês.
Chegando ao São Paulo
Em 1946, Adhemar estava com um amigo no centro da cidade quando
um negro bonito e esguio passou por eles. O amigo disse: “Esse é o
Benedito Ribeiro, atleta do São Paulo”. A palavra “atleta” fez com
que Adhemar sentisse que seria um. Como seu amigo treinava no
clube, se propôs a levá-lo para o Canindé. Lá, encontrou seu
primeiro técnico, “um alemão forte, cabelos loiros, olhos azuis”.
Seu nome era Dietrich Gerner.
Sem fazer idéia do que acontecia, Adhemar fez aquecimento, fez
ginástica, passou por uma série de corridas de 100, 200 e mil
metros, saltou em distância, em altura e fez uma prova de
revezamento. No mesmo ano, participou de inúmeras competições
amistosas, sem se destacar em nenhuma delas. Não foi um bom começo.
“Se havia um último colocado, eu sempre chegava depois desse
último”.
O Salto Triplo
Num final de tarde de 1947, Adhemar viu alguém praticando salto
triplo, modalidade que ainda não conhecia. Ficou sabendo, então,
que precisaria tomar distância, correr, chegar à tábua branca que
delimitava o ponto do salto, bater ali o pé direito ou esquerdo,
alçar o corpo, cair sobre a mesma perna, alçar novamente, mudar de
perna e atingir a caixa de areia. “Achei interessante e pedi que o
rapaz me explicasse tudo de novo, pois não entendi nada”. Adhemar
fez o primeiro salto de sua vida e despertou a atenção do técnico,
que o mandou repetir o pulo. Foi a 12,8 m. Livros de atletismo
registram que iniciantes dificilmente chegavam a 11 m. Evoluindo a
cada prova, sagrou-se campeão paulista com 14,77 m naquele mesmo
ano.
Londres
A primeira Olimpíada de Adhemar foi a de 1948, em Londres. O
índice estabelecido para o pré-olímpico do Rio de Janeiro foi de
14,80m, e os colegas diziam que só ele era capaz de conseguir a
vaga. “Eu só queria conhecer o Rio e eles falavam de Londres!”
Superadas as dificuldades financeiras para viajar a Cidade
Maravilhosa, enfrentou e venceu os maiores nomes da época: Geraldo
de Oliveira, o “Canguru brasileiro”, e Hélio Coutinho da Silva.
Saltou 15,03m e se classificou para os jogos. Na hora da
competição, em Wembley, diante de 120 mil pessoas, foi batido pela
inexperiência. Perdeu a concentração e não se aqueceu direito. “O
juiz me chamava, eu saltava e olhava o público, achando que ia ter
um jogo de futebol”.
Evolução
Em 1949, o técnico Gerner trabalhou Adhemar para superar o
recorde paulista, de 15,13m, de Geraldo de Oliveira. Logo na
primeira tentativa ele fez 15,51m e quebrou também o recorde
sul-americano, que pertencia ao argentino Luiz Ankel Brunetto desde
os jogos olímpicos de 1924. A partir daí começou uma sucessão de
recordes e vitórias no grande mundo do atletismo, chegando a
igualar o recorde mundial ao saltar 16,01m, em 1951. Nesse mesmo
ano, um finlandês veio disputar a Corrida de São Silvestre e teve
como intérpretes membros da família Lehto. Adhemar procurou-os
depois para aprender um pouco da língua e da cultura do país onde
seria realizada a próxima olimpíada. Assim, em 1952, ele já havia
esmiuçado muitas informações sobre a Finlândia e seu povo.
Volta Olímpica
Na chegada a Helsinque, Adhemar tratou de testar seus
conhecimentos de finlandês. E saiu-se bem com as expressões que
aprendeu com os Lehto. No dia seguinte, os jornais diziam: “Da
Silva do Brasil chega falando ‘terve, terve’ e cantando ‘Niin mina
neitonen sinulle laulan”. Simpático e cativante, saía às ruas e as
pessoas lhe desejavam sucesso na competição. Chegando o dia da
prova, 23 de julho, o atleta são-paulino não se intimidou. Bateu
quatro vezes o recorde mundial e olímpico, saltando 16,05m, 16,09m,
16,12m e 16,22m. Campeão, foi para o pódio e viu a bandeira do
Brasil ser hasteada ao som do Hino Nacional. O público começou a
gritar seu nome e o juiz pediu-lhe que desse uma volta na pista
para cumprimentar a platéia. E aquela acabou sendo a primeira volta
Olímpica da história.
Novo recorde no México
A marca de 16,22m alcançada por Adhemar na olimpíada de 52 foi
tão impressionante que, à época, comentou-se que ele jamais seria
batida. Um ano depois, porém, o russo Scherbakov saltou 16,23m em
Moscou. O salto triplo ganhava um novo recordista mundial mais cedo
do que se poderia imaginar. Mas Adhemar continuava a treinar com
dedicação e a conquistar títulos em competições no Brasil e no
exterior, sempre de olho na retomada do recorde. O prêmio pelo seu
esforço veio em 16 de março de 1955, quando saltou
incríveis 16,56m nos II Jogos Pan-Americanos, disputados na Cidade
do México. Como o jornal mexicano Aqui estampou em sua primeira
página no dia seguinte, “Adhemar assombrou a todos”. Dez dias
depois (26 de março), o São Paulo FC homenageou o
atleta colocando a segunda estrela dourada acima do escudo do
Tricolor, na bandeira oficial do clube.
Ficha Técnica
Nome: Adhemar Ferreira da Silva
Nascimento: 29/09/1927, em São Paulo, Capital.
Falecimento: 12/01/2001, em São Paulo, Capital.
Títulos: